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quinta-feira, 11 de junho de 2015

Resenha do filme "O Capital"



“O Capital ” (Le Capital),
de Constantin Costa-Gavras
(2011)




Eixo Temático

A partir da crise estrutural do capital em meados da década de 1970 desenvolveu-se um complexo reestruturativo do capitalismo mundial caracterizado pelas politicas neoliberais que impulsionam o desenvolvimento da financeirização da riqueza capitalista. No bojo do capitalismo dourado do pos-guerra constituiram contradições orgânicas na dinâmica do capital que, com a grande crise da década de 1970, iriam contribuir para a afirmação do capital financeiro como fração predominante do capitalismo global. A hipertrofia do capital ficticio levou a constituição do capitalismo das bolhas financeiras, cuja dinâmica de acumulação volátil e instável imprimiu sua marca na conjuntura do sistema mundial do capital nos "trinta anos perversos" (1980-2010). Com o capitalismo predominantemente financeirizado o dinheiro afirmou-se como capital-dinheiro, expondo o capital em geral em sua face mais fetichizada. Ao debilitar o poder de barganha do trabalho, o capital-dinheiro como capital ficticio fez o mundo a sua imagem e semelhança, abrindo um temporalidade histórica de barbarie social caracterizada, por um lado, pela crise e irracionalidade social, e por outro lado, por uma intensa concorrencia entre as frações internas do capital pelo dominio do globo.

Temas-chave: crise e capitalismo global; neoliberalismo e financeirização da riqueza capitalista; capital financeiro e barbarie social.

Filmes relacionados: "Wall-Street - Poder e Cobiça"/"Wall Street - O dinheiro nunca dorme" de Oliver Stone; "Margin Call", de ; "A Grande Virada" de ;






Constantin Costa-Gavras é o cineasta do poder. Nos filmes de Costa-Gavras, o problema do poder do capital se coloca de maneira incisiva e obsessiva, seja como poder político, como nos filmes “Z” (1968) – um clássico do cinema político, ou ainda “Estado do Sítio” (1970), “A confissão” (1972) ou mesmo “Amém” (2002); seja como poder econômico, com o seu mais recente filme: “O capital” (2012). Mas, a obsessão de Costa-Gavras em dissecar o poder o leva a tratar também do drama da proletariedade, como ocorreu, por exemplo, no filme “Éden à Oeste” (2009), que conta a história de Elias, um jovem imigrante que chega a Paris para tentar ganhar o pão nosso de cada dia. Deste modo, existe uma ligação umbilical entre poder (político ou econômico) e proletariedade, isto é, o drama social de homens e mulheres exploradas e espoliadas de sua humanidade pelo movimento do capital como metabolismo social estranhado. Portanto, por trás da sanha do poder do Estado político, com suas conspirações e ditaduras militares, existe o drama humano pressuposto das vitimas do poder do capital, como Charlie Horman em “O desaparecido” (1982), Sam Baily em “O Quarto Poder” (1997) ou mesmo Kurt Gerstein e Riccardo Fontana em “Amém” (2002). Na verdade, poder e riqueza contem em si, como pólo antitético, alienação e miséria humana. Poder/riqueza e alienação/miséria humana, dois pólos antitéticos, mas indissociáveis, no mundo social do capital, estão presentes na longa filmografia de Costa-Gavras.

Por outro lado, Costa-Gavras expõe homens obcecados pelo poder e, ao mesmo tempo, homens transtornados pela perda do poder. Por exemplo, no filme “O Corte” (2005), Bruno Davert é um executivo-chefe desempregado, homem de poder, que, ao cair em desgraça, demitido pela lógica reestruturativa do capital, decide matar seus concorrentes. O poder (e o sujeito do poder) é tão irracional e perverso, quanto lógico-racional. Bruno Davert é a própria expressão da razão instrumental que calcula com frieza e crueldade seus atos de barbárie. O poder, como o Mefistófeles do “Fausto” (de Goethe), escraviza docemente quem o possui. Mas não se trata de mera escravidão, mas sim, de gozo perverso. O homem burguês (como o Fausto de Goethe) é um homem fascinado pelo poder. Ele deseja (e goza) com o poder: o poder social estranhado (e fetichizado) que o desefetiva como ser humano-genérico. Na verdade, os pólos antitéticos (poder/riqueza-alienação/miséria humana) se confundem, pois a alienação do homem do seu poder social – mesmo que o poder social assuma a forma histórica de poder social estranhado do capital - o faz sentir-se alienado e miserável, caindo na loucura de resgatar o poder perdido por métodos cruéis e irracionais (como é o caso de Bruno Davert em “O Corte”). 

Talvez Costa-Gavras queira nos dizer que existe uma racionalidade perversa na barbárie social. Portanto, o cineasta franco-grego é o cineasta da modernidade tardia do capital em suas dimensões irremediavelmente contraditórias, sendo, por exemplo, da mesma estirpe de um Stanley Kubrick, embora o cineasta norte-americano tenha sido superior no plano da plasticidade estética. 

O filme “O Capital” (2012) não foge a regra da filmografia de Costa-Gavras. Ele expõe a anatomia do poder econômico-financeiro do capital. Produzido no clima da crise européia (2010-2011) com sua política de austeridade neoliberal em prol dos interesses do capital financeiro, Costa-Gavras retratou no filme as intrigas do mundo das finanças globais. O banqueiro Marc Tourneuil, escritor e executivo financeiro do banco mais poderoso da Europa (o Phenix, com cerca de 100.407 funcionários em 49 países). Marc Tourneuil ascende à presidência do banco quando seu titular (Jack Marmende) adoece devido a um câncer de testículo. 

Logo no começo do filme, Costa-Gavras nos brinda com figuras metafóricas que permeiam a narrativa do filme. Primeiro, a cena inicial de Jack Marmande jogando golfe. A câmera focaliza o banqueiro arremessando, com uma tacada, a bola de golfe e logo a seguir cai paralisado no chão. A bola de golfe é a figura do mundo manipulado pelas personas do capital financeiro. Não é a toa que o filme começa com um jogo. Na verdade, a lógica do capitalismo-cassino, o capitalismo global predominantemente financeirizado. é a lógica do jogo.





O câncer nos testículos do presidente do banco Phenix é a própria metáfora da esterilidade do capitalismo global. A perda da virilidade do banqueiro é a metáfora da crise do provedor de riqueza fictícia, incapaz de realizar a reprodução hermafrodita da riqueza abstrata. Jack Marmande é o financista eunuco, que, com o câncer nos testículos, tornou-se literalmente incapaz de procriar. É o homem-metáfora da mundialização do capital nos seus limites derradeiros. Mas “O Capital”, de Costa-Gavras não é apenas um filme de homens estéreis, burgueses eunucos, guardiões do capital fictício; mas é também um filme sobre relações afetivas estéreis que nunca se consumam, pois falta às singularidades humanas a entrega de si. Por exemplo, Marc Tourneuil, o banqueiro todo-poderoso do Phenix, e a jovem Nassim, top model da high society endinheirada, têm uma relação afetiva estéril. A mulher-fetiche que seduz Marc Tourneuil, sempre lhe escapa, nunca se entregando sexualmente a ele. Ao mesmo tempo, Nassim espolia Marc Tourneuil, pedindo-lhe empréstimos milionários (apenas no final do filme, Marc Tourneuil consegue estuprá-la no interior de uma imensa limusine). Mas, outras metáforas permeiam o filme: o nome do mais poderoso banco europeu (Phenix) é a figura mitológica que renasce das cinzas. Renascer das cinzas é o que o sistema mundial do capital fictício tem feito nas últimas décadas de crises financeiras (1987, 1996, 2000 e 2008). No “trinta anos perversos” de capitalismo global, o capital financeiro sempre renasceu das cinzas provocadas pelo estouro das bolhas especulativas. Ao constituir-se como regime institucional internacional que lhe dá suporte, as finanças mundializadas criaram raízes na própria ordem sociometabolica do capital. Portanto, a financeirização da riqueza capitalista não é uma mera deformação da lógica da economia capitalista, como Keynes imaginou na década de 1930, capaz de extirpá-la por meio de políticas econômicas conduzidas pelo Estado nacional, mas sim, tornou-se traço crucial do próprio organismo metabólico da produção do capital nas condições de sua crise estrutural. 

O filme “O Capital”, de Costa-Gavras nos mostra a rápida ascensão de Marc Tourneuil, homens de letras e homem de confiança do banqueiro presidente do banco Phenix, que o considera “um homem jovem e talentoso, atributos que não são incompatíveis”. Ao ascender no circulo de poder das finanças, Marc Tourneuil torna-se alvo de intrigas palacianas dos membros do conselho administrativo sob o comando de De Suze, acionista majoritário, que aguarda o momento certo para destituí-lo. Mas Tourneuil, desde o começo, tem consciência das conspirações palacianas e contrata um investigador privado para acompanhar seus desafetos. 

Ele assume o cargo de presidente do Phenix disposto a lutar pelo poder, custe o que custar. Como jovem ambicioso no mundo das grandes finanças, Tourneuil possui um senso pragmático (e maquiavélico, no sentido pleno da palavra) na disputa pelo poder. Mas a posse do poder significa para Tourneuil, obter respeito. Num certo momento do filme, Diane, esposa de Marc, perguntou a ele: “O que você quer?”. Ele diz: “Dinheiro. Para ser respeitado”. Noutro momento, dialogando com a mulher observa: “Para você, o dinheiro é passado. Para mim, é o futuro. Menor o salário. Menor o respeito”. No mundo do capital, dinheiro é Poder. Dinheiro é Respeito. 




O filme de Costa-Gavras contém pérolas da filosofia do dinheiro como capital. Não se trata apenas do dinheiro como meio de circulação ou meio de pagamento, mas sim, dinheiro como capital, isto é, valor que se auto-valoriza. Existe uma mudança ontológica na forma de ser-dinheiro. Portanto, não se trata do mero dinheiro, mas sim do dinheiro como capital: dinheiro que faz mais dinheiro, dinheiro como capital fictício que assume as mais diversas formas de especulação: moedas, commodities, títulos públicos, ações, papéis e obras de arte. Um detalhe: no filme vemos a presença de obras de arte valiosas pintadas por Matisse e Modigliani nas salas luxuosas dos escritórios dos bancos e nos iates de luxos. Os objetos da arte clássica adquiriram valor de troca. Enfim, sob o capitalismo global financeirizado, o dinheiro como capital que se autovaloriza, desceu à Terra apropriando-se das objetivações supremas do espírito humano, convertendo-as em mero valor de troca sem lastro com o valor-trabalho. O capital-dinheiro é o fetiche em sua forma luminosa

Por outro lado, por trás das intriga palacianas do banco Phenix, temos as disputas entre frações do capital financeiro internacional (europeus versus norte-americanos, ou ainda, franceses versus alemães). As disputas territoriais que levaram governos a muitas guerras no passado, tornaram-se hoje disputas financeiras e comerciais por territórios intangíveis do poder financeiro global. Trata-se de uma disputa silenciosa e voraz nos bastidores dos circuitos financeiros globais, tão intransparente quanto a natureza do capital-dinheiro. 

O mais poderoso banco europeu (o Phenix) tornou-se alvo de ambição de um fundo especulativo norte-americano de espírito predador, que quer adquiri-lo para retirar-lhe a personalidade francesa (a França é o pais das regulamentações sociais que incomoda o capital especulativo-parasitário). Como diz Marc: “Gostam de Paris, mas não da França. Muitas leis sociais”. O fundo de investimentos norte-americano, acionista do Phenix, representado pelo mega-especulador Dittmar Rigule, quer torná-lo o maior banco do mundo, um banco de predadores com o espírito do “capitalismo de cowboy”, convertendo, deste modo, o Phenix num banco à la americano. De repente, Marc Tourneuil encontra-se no fogo cruzado destes interesses de poder do capital financeiro que aparece como o movimento dos múltiplos capitais disputando a hegemonia da ordem financeira internacional.

O jogo de poder do fundo especulativo norte-americano contra Marc Tourneuil é deveras sinuoso. Falsidade, desconfiança e hipocrisia são as marcas do capitalismo farsesco. Primeiro, os adversários de Marc Tourneuil buscam desprestigia-lo, obrigando-lhe a fazer um downsizing no Phenix; como diz o presidente do Phenix, um downsizing que não pareça corte de pessoal (sic). Eis a dimensão farsesca do capitalismo financeirizado. Ao obrigar Marc Tourneuil a fazer um corte de pessoal, seus desafetos queriam enfraquecê-lo politicamente, tornando-o vulnerável a ação dos especuladores. Mas Marc Tourneuil consegue driblá-los, adotando uma curiosa tática maoísta. Como sugeriu Diane, mulher de Marc Tourneuil, o comunista chinês Mao Tse-tung usou as bases para eliminar seus rivais. Finalmente, o presidente do Phenix tornou a operação de downsizing um sucesso de mercado. Deste modo, o tiro dos seus rivais saiu pela culatra. 

Por outro lado, o especulador Dittmar Rigule busca convencer Marc Tourneuil a comprar o banco Mitzuko, banco japonês falido, visando, deste modo, desvalorizar as ações do Phenix, levando o fundo especulativo norte-americano a adquirir o banco francês, demitindo Tourneil e empossando outro presidente. É a jogada decisiva da luta entre frações do capital financeiro (a fração norte-americana e a fração européia francesa). 

Na medida em que o capital financeiro se fortaleceu nas últimas décadas de capitalismo global, o sistema mundial do capital se auto-dilacera em contradições não-antagônicas internas de amplas proporções. Parafraseando Marx e Engels, poderíamos dizer que, ao criar o mundo à sua imagem e semelhança, o capital financeiro criou civilização em demasia, meios de subsistência em demasia, indústria em demasia, comércio em demasia, capital fictício em demasia. O mundo do capital tornou-se estreito demais para abranger toda a riqueza que criou. 




Portanto, no filme “O capital”, Costa-Gavras salientou a disputa entre frações européia e frações norte-americanas do capital financeiro. Estamos diante das lutas no interior do próprio capital financeiro que se auto-dilacera para concentrar-se cada vez mais. Por exemplo, sindicatos, por exemplo, não aparecem como protogonistas do filme. Como elemento antípoda antagônico ao capital, o trabalho organizado fragilizou-se pelo movimento do capitalismo global. Portanto, uma das dimensões da crise do capital é contraditoriamente, a fragilização de seu contraponto antagônico: o trabalho organizado hoje incapaz de constituir obstáculos à sanha devoradora do movimento do capital. Apenas num momento do filme, quando ocorre o downsizing, percebe-se a referencia aos sindicatos e governos, meros coadjuvantes do poder do capital no plano mundial. Num certo momento do filme, um desempregado aparece querendo falar com Tourneuil; mas ele afasta-se, embora no intimo, Marc Tourneuil queira fazer algo pelo miserável - ele fantasia um deposito na conta do desempregado. 

Deste modo, o jogo pesado no filme “O capital” ocorre entre posições no interior do próprio capital financeiro, deixando-se de lado as instituições de regulação do sistema – os sindicatos e governos subsumidos à lógica estrutural do Estado neoliberal. Eis o verdadeiro sintoma da crise estrutural do capital: o capital em geral sob a forma fictícia encontra seu limite ao destacar-se em demasia do trabalho organizado e dos governos nacionais, driblando o controle dos fluxos financeiros globais (como diz o diretor-executivo do Phenix em Londres, num diálogo com Marc Tourneiul, utiliza-se “robôs financeiros sem intervenção humana à margem da regulamentação” para driblar o controle dos fluxos financeiros globais). 

No mundo do capital, impõe-se a lei da selva. O thriller de Costa-Gavras é um jogo de intrigas na esfera do poder. São poucos os momentos em que Marc Tourneuil desce à Terra: ele se locomove em jatinhos ou mega limusines que o projetam noutra territorialidade social. O mundo social de Marc Tourneuil não é efetivamente o mundo dos homens. No filme, muitos contatos entre as pessoas ocorrem por meio de telas digitais, sendo tão virtuais quanto o próprio dinheiro. A presença da virtualidade no filme é freqüente. Por exemplo, nas comunicações à distancia e operações de negócios utilizando smarthopnes. As novas tecnologias digitais aparecem inclusive nos games que fascinam as crianças: o filho de Marc, que aparece apenas uma vez, jogando videogame, sendo obrigado pelo pai a falar inglês; ou ainda, as crianças na casa dos pais de Marc Tourneuil no interior da França, fascinadas diante dos gadgets eletrônicos presenteados pelo banqueiro. Enfim, telas digitais constituem cada vez mais a sociabilidade virtual do capitalismo fictício. 

O filme de Costa-Gavras expõe, com sutileza, o fetichismo das relações humanas instrumentais organizadas como um jogo que visa manter posições de poder e fazer cumprir o espírito da financeirização. Com exceção dos personagens subalternos – Diane Tourneuil, os familiares e empregados do banco, por exemplo - todos são conscientemente devotos fieis do Deus-Capital. O próprio Marc Tourneuil, entrega-se de corpo e alma ao jogo das finanças mundializadas, tornando-se narrador da lógica do dinheiro como capital. Diz Marc Tourneul:“O dinheiro é um cão que não pede carinho; lance a bola cada vez mais longe e ele a traz, indefinidamente.” Ou ainda: “Dizem que o dinheiro é um instrumento. Estão errados. O dinheiro é o amo. Quanto melhor o serve, melhor ele te trata.” 

Na verdade, o poder persegue sua manutenção; como gozo perverso, o poder se auto-reproduz vorazmente. Marc Tourneuil não abdica do jogo do poder – ele joga vorazmente, até o final do filme. Eis uma qualidade ontológica do poder. O poder não renuncia, mas pelo contrario tenta se manter. É o que faz Marc Tourneuil, personagem central visceralmente contraditório. Como homem burguês, ele é a própria contradição viva que, as vezes, divaga e imagina confrontar o ethos do capital, insurgindo-se – pelo menos, no plano da fantasia - contra a mediocridade do mundo burguês. Este é um traço do homem burguês como homem esquizóide, homem dividido entre a civilização e a barbárie do capital. Como disse Marx e Engels: “As condições da sociedade burguesa são estreitas demais para abranger toda a riqueza que criou”. Entretanto, a riqueza humana de Marc Torneuil permanece, como ideal, no plano da fantasia: ele aparece como incapaz de confrontar efetivamente a lógica do capital. A esquizofrenia de Marc Tourneuil ocorre nos momentos de lapso que ele imagina agir de outro modo autenticamente pessoal (por exemplo, expulsando os sogros ávidos em saber do salário dele, ou ainda dando ajuda para o desempregado Elias Gigou, “sem trabalho há três meses”; ou demitindo a filha medíocre do presidente do banco). 

Marc Tourneuil desce à Terra dos homens comuns quando visita os pais e recebe a critica ácida do tio que questiona a lógica das finanças globais. A cena do almoço em família é um verdadeiro interrogatório do presidente do banco Phenix. Começa com a pergunta singela de Pierre, parente de Marc Tourneuil: “Se eu tiver dinheiro, em que devo investi-lo?”. Entretanto, Marc se recusa a ser consultor financeiro da família. Responde: “Na sua família, Pierre. E o principal, evite os bancos. Jogam com teu dinheiro, até que te deixam sem nada.” 

A seguir perguntam a Marc: “Quando alguém ganha 150 mil por ano, em que ele gasta?”. O banqueiro diz: “Eu também me pergunto. Por sorte, Diane me ajuda”. E observa: “O que me tranqüiliza é que os jogadores de futebol ganham 5 vezes mais e gastam tudo.” As perguntas à mesa se dirigem também ao pai de Marc: “Como é ter um filho tão importante?”. Ele responde: “Só sei que o vejo cada vez menos”. Diane, esposa de Marc, não perde a oportunidade de dizer: “Também o vejo cada vez menos. E tenho que ir a jantares chatos onde só se fala em dinheiro”. A relação de Marc com a esposa é marcada por afeto e carinho e ao mesmo tempo, distanciamento - não poderia ser diferente: o tempo dele é dedicado ao dinheiro-fetiche, faltando-lhe tempo para a família - em nenhum momento aparece Marc Tourneuil com a família. O tempo de vida do homem burguês é um tempo cativo. 

Mas o interrogatório em família adquire uma nova dimensão quando o tio de Marc intervém. As perguntas pessoais são substituídas por inquirições políticas. Não se fazem meras pergunta, mas acusações políticas contra aquilo que Marc Tourneuil representa: o capital financeiro. Coloca-se o problema da responsabilidade pessoal diante das atrocidades financeiras cometidas pelo sistema das finanças mundializadas: “Seu banco obtém benefícios e você demite as pessoas. Como lida com isso?”. Marc Tourneuil não foge à pergunta? Diz: “Muito mal, tio. O Banco estava afundando. Tive que salvá-lo. E tive que despedir para salvar 100 mil empregos.” O tio indigna-se com a resposta burocrática de Marc: “Não me venha com isso. Cansei de ouvir isso. Sangrou as pessoas três vezes: (1) a bolsa quer sangue. Você realoca, funcionários perdem emprego; (2) você os sangra como clientes; (3) pressiona os Estados endividados e quem paga é o cidadão. E como o funcionário é cliente e cidadão, você o fode três vezes. O dinheiro contamina tudo.”. 

Finalmente, o tio comunista provoca o sobrinho banqueiro com a pergunta: “Por que destroem a sociedade para pagar a dívida?”. O presidente do Phenix concorda - em parte - com as criticas feitas pelo tio (adiante, ele observaria para o pai: “Ele tem alguma razão”). Entretanto, Marc resigna-se e apresenta a sua racionalidade das coisas. Provocativamente, diz que o capital financeiro realiza às avessas o sonho dos comunistas que almejavam a internacionalização do trabalho. Por isso diz cinicamente para o tio que, “cumprimos seu sonho de juventude”. E salienta: “Vocês não queriam a internacionalização? Aqui está. O dinheiro não tem fronteiras, o trabalho, tampouco...Olhe, vê este brinquedo? Comprei em Londres. É alemão. Feito na Indonésia, por crianças. Acaso o mundo que você sonhava iria alimentar essas crianças? Nossa internacionalização o fará. Também trabalho para isso. O dinheiro nunca dorme. É como leite no fogo. Se não vigia, evapora e é preciso demitir”.

Enfim, Marc Tourneuil vive num mundo de racionalidades instrumentais em disputa. Por um lado, as racionalidades do capital e do trabalho; e por outro lado, as racionalidades da concorrência entre os múltiplos capitais – o que está posto no filme “O capital”. Ao sair, o pai de Marc recomenda ao filho cuidado com os americanos: “Eles só pensam em dinheiro”. Marc retruca: “São como nós, homens de negócio”. E conclui: “Como disse um banqueiro: Faço o trabalho de Deus.” 

O homem burguês cultiva prazeres e fantasias. Marc Tourneuil recusa as orgias sexuais, mas fascina-se com uma top model: Nassim. Trata-se de fantasia à primeira vista. Na verdade, Marc Tourneuil vive imerso em fantasias. Noutro momento, salientamos o papel de mulher-fetiche de Nassim, pura fantasia estéril como o capital fictício. A relação de Marc com Nassim é deveras estranha: ele deixa-se levar pelo fascínio que tem por ela e deixa-se inclusive ser explorado por ela ao pagar suas dividas. Mas nos momentos que se encontra com ela, ela sempre foge de relações intimas. Na boate, Nassim tenta dopá-lo; quer mantê-lo próximo e distante ao mesmo tempo, num jogo de manipulação. Alias, como salientamos acima, no filme “O capital”, de Costa-Gavras, tudo é jogo. As relações pessoais são meras abstrações, como o próprio capital-dinheiro, com a dimensão fictícia (e fantasiosa) compondo as interações pessoais.





É importante salientar que o filme de Costa-Gavras expõe, nas entrelinhas, o problema do precariado, isto é, o problema da juventude imersa numa futuridade precária. O capital financeiro, fração perversa do capital em geral, movimento abstrato supremo do capital-dinheiro, hostiliza a juventude pois ela representa efetivamente o futuro. O capital financeiro corroi a futuridade. A discriminação com a juventude aparece em alguns detalhes do filme “O capital”. Num certo momento, um importante acionista do Phenix, ao saber da indicação de Marc Tourneuil para presidente do banco, observa: “Corremos um risco nomeando alguém tão jovem”. Mas na reunião de posse do novo presidente do Phenix, Jack Marmande salientou que Marc Tourneuil é “um homem jovem e talentoso, atributos que não são incompatíveis”. Enfim, apesar de ser jovens, pode-se ser talentoso. 

Noutro momento, por exemplo, a discriminação do capitalismo global predominantemente financeirizado contra os jovens aparece num diálogo entre Marc Tourneuil e Nassim na boate. A top model observa um casal de velhos especuladores endinheirados divertindo-se na boate. Diz ela: “Quando for velha, gostaria de ser como eles”. Marc, um pouco dopado, retruca veementemente: “Como eles, não. Não quero terminar assim. Engordam seus fundos de pensão espremendo os mais jovens. São uns mercadores de escravos.” E arremata: “Os velhos controlam tudo. Me obrigam a demitir as pessoas e a sangrar o banco”. É o que explica o crescimento do precariado nos países capitalistas mais desenvolvidos. 

Entretanto, o filme indica que o capital financeiro considera como problemáticos não apenas os jovens, mas também os velhos, sustentados pelas pensões da previdência social deficitária. Os velhos constituem uma nova camada do proletariado precário do capitalismo global do século XXI. Como observou o diretor-executivo do Phenix na Inglaterra: “O problema do Japão, que logo será o nosso, são os velhos”. Enfim, a fratura da futuridade provocada pelo capitalismo global financeirizado atinge as duas etapas da vida humana alongada no século XXI: juventude – trajetória alongada pela precariedade de transição para a vida adulta; e velhice, alongada pelo aumento da expectativa de vida no século XXI.


Giovanni Alves (2013)




FONTE: http://www.telacritica.org/OCapital.htm

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