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segunda-feira, 13 de abril de 2015

O afeto em xeque e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça







Já há muito se discute o valor jurídico do afeto. As teses negacionistas pelas quais o afeto não produz efeitos na ordem jurídica e é um mero “sentimento” estranho ao Direito de Família encontram-se superadas, razão pela qual não se perde tempo para rebatê-las.

Vale lembrar que a tese negacionista não encontra guarida de relevo também em Portugal. Em 23 de janeiro de 2012 o jornal Correio da Manhã noticiava: “Obrigado a ser pai de filha alheia”. A reportagem cuidava de uma ação julgada pelo Tribunal da Relação de Coimbra em que o pai de uma menina propunha uma ação negatória de paternidade alegando que não era seu pai biológico por ser infértil. A notícia dizia, ainda, que o autor da demanda sabia que a filha não era sua desde o nascimento da criança, conhecendo, inclusive, o fato de a mãe da menina, sua mulher, ter mantido relações extraconjugais. Seguem algumas linhas da publicação:

“António (nome fictício) tem uma ‘filha' de 17 anos com o seu apelido, mas sabe que não é o pai, por ser infértil e nem sequer ter tido relações sexuais com a mãe desta. Para repor a ‘verdade biológica’ e retirar o seu nome da certidão de nascimento, recorreu ao tribunal, mas o seu pedido não foi aceite, por ter sido feito fora de prazo. Ainda tentou provar a inconstitucionalidade dessa norma, mas de nada lhe valeu.

O queixoso, que reside no concelho de Condeixa-a-Nova, era casado, mas a mulher (e mãe da rapariga) ‘recusava-se a ter relações sexuais" com ele, pois ‘mantinha um relacionamento amoroso e sexual’ com outro homem. António sempre soube que a menor não era sua filha. Acabaria por se divorciar da mulher, mas nessa altura o seu nome já figurava na certidão de nascimento como sendo o pai. Foi deixando passar o tempo, e quando apresentou, junto do Tribunal de Condeixa, uma acção de impugnação da paternidade, a menor já tinha 13 anos, quando a lei prevê um prazo de três anos para o fazer,’ contados desde a data em que teve conhecimento".

Nota-se que a construção socioafetiva é pano de fundo que dá subsídio aos prazos para impugnação de paternidade. No Brasil, por opção equivocada do legislador, o prazo para a impugnação da paternidade não se sujeita à decadência (artigo 1.601 do Código Civil).

De início, cabe a delimitação do conceito de afeto, para evitar qualquer confusão com conceitos semelhantes, como carinho, amor, respeito e consideração. Já tive oportunidade de dizer que confundir amor e afeto é algo danoso ao sistema jurídico. Se fosse amor, sua aferição necessitaria de longo e inócuo trabalho de investigação da alma humana: “você ama seu filho?” ou “qual a medida de seu amor?”.Por fim haveria um risco: findo o amor, logo, equivocadamente, findo o afeto, os vínculos jurídicos dele decorrentes podem ser desfeitos.

Nas palavras de Giselle Câmara Groeninga, “o afeto é, no Direito, em ramos da filosofia e no senso comum, identificado com o amor. Em nossa visão positivista era inclusive visto como dissociado do pensamento. Mas, ele é muito mais do que isto. Sem dúvida, uma qualidade que nos caracteriza é a ampla gama de sentimentos com que somos dotados e que nos vinculam – uns aos outros, de forma original face a outras espécies. Com base nos afetos, que se transformam em sentimentos, é que criamos as relações intersubjetivas – compostas de razão e emoção – do que nos move. À diferença dos outros animais, somos constituídos, além dos instintos, de sua tradução mental em impulsos de vida e de morte. Estes ganham a qualidade mental de afetos – energia mental com a qualidade de ligação, de vinculação = libido, Eros, ou de desligamento, de não existência = morte, Thanatos. São estes impulsos que nos afetam, desde dentro, e que se transformam em sentimentos – que ganham um sentido, uma direção na relação com as outras pessoas, com nuances que variam do amor ao ódio, em combinações variadas. É por meio dos afetos que valorizamos e julgamos a experiência em prazerosa, desprazerosa, boa ou má. Mas vamos além disto, e valoramos nossas experiências também de acordo com o pensamento, com a experiência e com valores construídos nas relações e apreendidos do meio social. São os afetos que nos vinculam das mais diversas formas às pessoas. E é certo que também somos afetados pelos estímulos externos que são traduzidos, interpretados mentalmente segundo as experiências passadas e a valoração que lhes foram atribuídas. Somos seres axiológicos por excelência, e parte desta qualidade que nos é inerente vem justamente dos afetos”[1].



Amor e ódio, o desejo de vida e de morte são expressões do afeto.

É o afeto que se manifesta na relação com outro que nos interessa. Afeto em potência, sem que se transforme em relação efetivamente não interessa ao Direito de Família. A valorização do afeto como motivo para a formação de vínculos familiares que vão além da adoção, remonta ao brilhante trabalho de João Baptista Vilella, jurista de primeira grandeza, escrito no início da década de 1980, tratando da desbiologização da paternidade. Na essência, o trabalho procura dizer que o vínculo familiar seria mais um vínculo de afeto do que um vínculo biológico. Assim surgiria uma nova forma de parentesco civil, a parentalidade socioafetiva.

O afeto tem repercussão nos tribunais em dois campos: responsabilidade civil por abandono afetivo e a criação de vínculos familiares.

Em 2 de maio de 2012, o mesmo STJ que, em decisão lamentável, no ano de 2005 afastou a indenização por abandono afetivo ao confundir amor com afeto[2], com nova composição, atento a um direito de família mais humano e solidário, julgou outro caso de abandono com decisão totalmente oposta. A ministra Nancy Andrighi deixou claro que “na hipótese, não se discute o amar – que é uma faculdade – mas sim a imposição biológica e constitucional de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerar ou adotar filhos”.[3]

Confundir cuidado com amor foi erro lamentável que abonou ao abandono e serviu de estímulos aos péssimos genitores. Esclarecer que amor e afeto não se confundem revelou, de maneira pedagógica, a sensibilidade da ministra Nancy Andrighi.

O julgado em que o STJ pune o abandono e põe fim à irresponsabilidade parental ressalta que “os sentimentos de mágoa e tristeza causados pela negligência paterna e o tratamento como filha de segunda classe, que a recorrida levará ad perpetuam, é perfeitamente apreensível e exsurgem das omissões do pai (recorrente) no exercício de seu dever de cuidado em relação à filha e também de suas ações que privilegiaram parte de sua prole em detrimento dela, caracterizando o dano in re ipsa e traduzindo-se, assim, em causa eficiente à compensação”.

Em termos de criação de vínculos jurídicos a questão se complica enormemente. É verdade que o artigo 1.593 do Código Civil admite que o parentesco natural decorre da consanguinidade e que o parentesco civil de outra origem. É a porta de entrada da lei para se admitir, além do parentesco civil por adoção, o por socioafetividade.

Nesse sentido, o STJ já há muito entende que o afeto tem valor jurídico. Em 2011, aquele tribunal afirmava de maneira indiscutível:

“A filiação socioafetiva encontra amparo na cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade e definição da personalidade da criança”(REsp 450.566/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,TERCEIRA TURMA, julgado em 03/05/2011, DJe 11/05/2011)

Ora, se a socioafetividade efetivamente tem por fundamento a tutela de personalidade, dúvida não há do patamar em que se encontra. É valor de extrema importância para a formação da pessoa humana.
Página:


José Fernando Simão é advogado, diretor do conselho consultivo do IBDFAM e professor da Universidade de São Paulo e da Escola Paulista de Direito.



Revista Consultor Jurídico, 12 de abril de 2015, 7h36

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