segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

REFORMA DO CDC DÁ PRIORIDADE A AÇÕES COLETIVAS


O Projeto de Lei do Senado 282/2012 trata da reforma do Código de Defesa do Consumidor, no que se refere às ações coletivas para a proteção dos interesses ou direitos de qualquer natureza no universo das relações de consumo.
Em meio a tantas novidades previstas para a atualização do CDC nesse ponto, dentro da proposta deste breve estudo, cuidaremos de traçar um panorama geral sobre os principais aspectos da norma, de modo a fornecer ao leitor uma visão geral do sistema.
Pois bem, o primeiro ponto que nos chama a atenção versa sobre o parágrafo 3º que se pretende acrescentar ao artigo 81 do CDC, cuja redação estabelece a prioridade de processamento e julgamento das ações coletivas de consumo. Em razão da importância que assume, ressalvadas a ação popular e aquelas cujo objeto possuir caráter alimentar, é com bons olhos que vemos a novidade, que tem por objetivo prevenir a multiplicidade de demandas com idêntico objeto, desafogar o Judiciário e, consequentemente, valorizar a economia, celeridade e efetividade do processo. No âmbito recursal, também haverá prioridade das ações coletivas, mas em relação a ações individuais, inclusive no sistema de recursos repetitivos (artigo 104-A).
Fugiria à sensatez dispensar tratamento individual a situações geradas por uma sociedade de consumo de massas. Da mesma forma, as questões levadas à apreciação do Judiciário devem receber tratamento massivo diante da permissão do ordenamento jurídico pátrio, em homenagem à dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, não havendo maior respeito à democracia do que tratar o mesmo fato de maneira uniforme.
Adiante, o projeto pretende acrescentar um quinto inciso ao artigo 82, conferindo, expressamente, legitimidade ativa à Defensoria Pública para a defesa coletiva dos consumidores. A esse respeito, há alguns anos tivemos a oportunidade de escrever o artigo intitulado “Da Legitimidade Ativa da Defensoria Pública para a Defesa Coletiva dos Consumidores” (http://atualidadesdodireito.com.br/vitorguglinski/2011/11/19/da-legitimidade-ativa-da-defensoria-publica-para-a-defesa-coletiva-dos-consumidores/). No campo legislativo, no ano de 2002 o estado do Rio Grande do Sul editou a Lei 11.795/02, tratando especificamente sobre o tema. Algum tempo depois, o Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 555.111/RJ, teve a oportunidade de julgar a matéria, afirmando a legitimidade da Defensoria Pública para ações dessa natureza.
Posteriormente, foi a vez da Lei 7.347/85 acrescentá-la ao rol de legitimados para a promoção de Ação Civil Pública (artigo 5º, II). Finalmente, chega a vez do CDC incluir a Defensoria Pública como legitimada ativa para o ajuizamento de ações coletivas em prol do consumidor, ampliando a rede protetiva desse sujeito vulnerável.
No campo procedimental, a atualização legislativa traz no artigo 90-A regras de suma importância e funcionalidade, dispondo sobre os poderes do juiz na condução da ação coletiva. As que nos chamam mais atenção dizem respeito à possibilidade de o juiz dilatar os prazos processuais (inciso I) e alterar a ordem da produção dos meios de prova (inciso II), com o objetivo de conferir maior efetividade à tutela pretendida, atendidas as especificidades do caso concreto.
Adiante, de modo a estimular a desjudicialização dos conflitos de consumo, o artigo 90-B prevê a designação de audiência de conciliação, caso haja requerimento de medida de urgência, ato que será conduzido por mediador ou conciliador judicial, sendo que a ausência das partes traz consequências bem distintas para as partes. Havendo ausência da parte autora, o Ministério Público assumirá a causa (parágrafo 2º). Semelhante previsão já constava do artigo 5º, parágrafo 3º, da Lei 7.347/85, a qual, contudo, permite que outros legitimados assumam a titularidade ativa (entes federativos, Defensoria Pública ou autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista). No caso do CDC, a previsão contida no texto da reforma alcança somente o MP. No caso de ausência injustificada da parte ré ou de seu procurador, há um gravame: o não comparecimento para a audiência de conciliação será considerada ato atentatório à dignidade da justiça, sancionado com multa de 2% do valor da causa ou da vantagem econômica objetivada, sendo que tal numerário será revertido aos Fundos nacional, distrital ou estaduais de Direitos Difusos (não há previsão de Fundo municipal).
Ainda sobre a conciliação, outra previsão interessantíssima consta do parágrafo 7º do mesmo artigo, qual seja, a possibilidade de audiência de conciliação no âmbito dos tribunais e turmas recursais, já que o dispositivo diz que “o juiz ou o relator poderá tentar a conciliação em qualquer tempo e grau de jurisdição”. A nosso juízo, é medida bastante inovadora, já que, tradicionalmente, não há audiências em tribunais ou turmas recursais. Amplia-se, desse modo, o alcance da regra inserta no artigo 125, IV, do CPC.
Seguindo, consta do projeto outra inovação importante, que diz respeito às ações de reparação de danos, diretamente relacionada ao princípio da boa-fé objetiva. Trata-se da disposição contida no inciso II do artigo 90-G, consistente na adoção de medidas objetivando minimizar ou evitar a repetição da lesão, independentemente de pedido da parte autora. Essa previsão relaciona-se com a tese do duty to mitigate the loss, cuja literalidade traduz-se “dever de mitigar a perda”, e possui lastro no artigo 77 da Convenção de Viena de 1980. No direito doméstico, o duty to mitigate the loss encontra amparo tanto na doutrina (Enunciado 169 da III Jornada de Direito Civil) quanto na jurisprudência (STJ, REsp. 758518 / PR, Rel. Min. Vasco Della Giustina, DJe 28/06/2010). Da regra, pode-se extrair duas finalidades: uma de caráter reparatório, estatuindo um dever jurídico para o ofensor, consistente na tomada de ações para que o prejuízo suportado pelo lesado seja de alguma forma minimizado, servindo de lenitivo e (ii) outra de caráter pedagógico-preventivo, objetivando impedir que nova lesão seja causada ao consumidor.
De modo semelhante ao previsto na Lei 9.868/99, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal as ações coletivas de consumo poderão se submeter a audiências públicas, e até mesmo contar com a intervenção de amicus curiae (amigo da Corte). É o que consta do artigo 90-J e seu parágrafo único. A nosso aviso, a previsão se afina com os objetivos das normas de proteção coletiva do consumidor, uma vez que o CDC é inaugurado se autoproclamando como estatuto cujas normas são de ordem pública e interesse social. Tanto as audiências públicas quanto a intervenção do amicus curiae objetivam fornecer ao juízo as informações mais abrangentes possíveis sobre a matéria em debate, de forma a proporcionar o maior número possível de elementos ao julgador para que decida melhor.
Encerrando nossa exposição, com base no princípio da simetria, o projeto traz a previsão da criação de dois cadastros de âmbito nacional. Ambos estão previstos no caput do artigo 104-B e parágrafo 1º. O primeiro será o Cadastro Nacional de Processos Coletivos, a ser mantido pelo CNJ, e o segundo trata-se do Cadastro Nacional de Inquéritos Civis e de Compromissos de Ajustamento de Conduta, de competência do CNMP. Ambos terão a missão de permitir aos órgãos do Poder Judiciário e aos demais interessados amplo acesso às informações neles constantes.
Não obstante, além de servirem ao próprio Poder Público, pensamos que esses cadastros demonstram, ainda, uma inegável preocupação do legislador no sentido de informar o consumidor para que, a exemplo dos cadastros de reclamações fundamentadas previsto no artigo 44 do CDC, tenham pleno conhecimento acerca dos fornecedores que estão sendo demandados e/ou investigados por suas condutas no mercado de consumo. Com isso, o consumidor poderá agir com mais consciência, refletidamente, avaliando suas decisões de consumo, decidindo melhor em relação ao fornecedor do qual irá adquirir produtos ou serviços.
Vitor Guglinski é advogado, especialista em Direito do Consumidor. Foi assessor do juiz da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora-MG (2006-2010).
Revista Consultor Jurídico, 23 de dezembro de 2012

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