quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Diálogos publicitários e neopentecostalismo jurídico

Senso Incomum

 

A origemHá alguns anos venho construindo uma caricatura para criticar o fenômeno da estandardização do Direito. Não lembro em que ano falei pela primeira vez, em uma conferência no Hotel Gloria (nos tempos do ID, de James Tubenchlak), do neopentecostalismo jurídico. E era apenas o início. Ainda não existia o fenômeno da simplificação. A “michelteloização” ainda estava por vir. Os livros “tipo fast food” ainda eram raros.
A relação do neopentecostalismo com o DireitoNeopentecostalismo quer dizer ausência de intermediação. Falo do “religare”, origem da religião. Portanto, no neopentecostalismo, não há “religação” (não vou explicar aqui a questão exsurgente de Pentecoste; há farto material à disposição em literatura especializada). É como no populismo político. O líder se liga diretamente às massas. O que isso tem a ver com o que se tem praticado no Direito? Tudo. O Direito é alográfico, como bem diz Eros Grau. Ele necessita de uma mediação de significado. Caso contrário, o pipoqueiro poderia ser jurista (embora o jurista possa ser pipoqueiro, se entendem a ironia).
A teoria é aquilo que faz a intermediação. Na verdade, é a sua condição de possibilidade. Não é uma terceira coisa entre o “intelecto” e a “coisa”. É pela teoria que se faz, digamos assim, a transcendência do ôntico ao ontológico (para utilizar uma linguagem hermenêutica). Portanto, o Direito não é autográfico (que é o contrário de alográfico). Ele não possui um sentido em si e tampouco um sentido que dispense a teoria e a teorização advinda da história e da tradição. Portanto, não se pode “ungir” um discurso jurídico à la pentecostalismo. Não dá para falar “em nome de o Senhor...”.
Isto quer dizer que, quando falamos em princípios, não pode o jurista sair por aí inventando qualquer sentido. Ele não está ungido para isso! Não recebeu “a graça”! Quando se fala em hermenêutica, não pode pegar conceitos do século XIX e sair repetindo, como se não existisse a intermediação alográfica da ciência jurídica, com seus rigores filosóficos (que, ainda bem, continuam a existir).
Recebi uma propaganda por e-mail, pelo qual uma empresa (“tipo editora”) oferece uma conferência grátis sobre Proteção Constitucional no ECA. Diz a peça: “A empresa tal tem observado o baixo aproveitamento dos candidatos nos concursos quando o assunto é ECA. Preocupado com isso, oferece uma conferência...”. E depois, vende cursinho. O assunto “ECA” é realmente muito “complexo”. Dando de barbada: se fosse complexo mesmo, em uma conferencia resolve? Vejo na internet os vários tipos de aulas ministradas. “Gosto” quando falam sobre Aristóteles. Há uma aula televisiva em que o professor se “auto-pergunta”: “É aí, Professor, o que Aristóteles pensa...”. E assim por diante.
Vamos mais a fundo, para mostrar a invasão “neopentecostal” no Direito, isto é, a morte da alografia. Como todos sabem, o CNJ editou a Resolução 75 sobre a introdução de matérias “humanistas” nos concursos. De imediato, foram editados livros tratando de explicar aos milhares de concursandos o que é “humanidades...”. Para termos uma ideia, em um dos livros — que já comentei na ConJur em duas colunas (O triste fim da ciência jurídica em terrae brasilis e A hermenêutica e o cadáver plantado no jardim) — consta que “A moral é o conjunto de princípios gerais de conduta através de atos resultantes da livre vontade humana, disciplinando os deveres do homem perante Deus, perante si próprio e perante a sociedade”.
O que dizer disso? Não há secularização nesse conceito? Fico pensando em autores como Klaus Günther, Robert Alexy ou Ronald Dworkin (sem falar nos autores brasileiros), que se dedicam há tantos anos para deslindar esse nó resultante da relação “Direito-moral”... Eis aí o neopentecostalismo. Não há intermediação. Tudo se realiza pela “palavra” do “escritor”... “Em nome de o Senhor...”. Ou seja, o Direito se torna autográfico, como uma pintura abstrata de um quadro. Quando se lê esse tipo de material, percebe-se a “dispensabilidade” da Teoria do Direito. Mais: Percebe-se a dispensabilidade da qualquer intermediação científica. A “coisa” (no caso, a relação Direito e moral) é o que é! Bingo! “Em nome de o Senhor...”.
Pois no mesmo livro leio: “Existe uma implicação do preceito moral sobre a validade jurídica. O Direito imoral é destituído de sentido, muito embora exista concretamente, tornando-se obrigação juridicamente inválida. (...) uma norma jurídica que estabeleça a pena de morte para o doador de sangue é possível, porém será totalmente destituída de sentido, da mesma forma que o Direito imoral pode existir, gerando uma contradição de teor”. Pergunta absolutamente necessária: De onde os doutores teriam tirado essa tese, ideia ou opinião?
Ainda: “O Direito possui, como “causa formal” (“modos pelos quais o Direito se exterioriza”) o que está definido pelo artigo 4o. da LINDB: lei, os costumes e os princípios gerais de direito, “podendo ser considerados, ainda, a doutrina, a jurisprudência e os brocardos jurídicos”. Isto é: o Direito está resumido na “Lei de Introdução”. Princípios constitucionais... nem falar.
O mesmo “best seller” faz constar que “Os princípios jurídicos é que possibilitaram a divisão do Direito em ramos e em disciplinas jurídicas”.
Poderia trazer à colação dezenas de obras desse quilate. Uso apenas esta, sobre a qual já me pronunciei alhures. Mostro esses aspectos para falar sobre essa perda do elemento teórico que conforma todo discurso. E faço isso por amor ao Direito. Embora isso possa parecer antipático.
A alografia do Direito se perdeu no meio de uma algaravia conceitual, fruto de uma eliminação da intermediação significativa. É uma espécie de “populismo semântico”. Pronto. Eis aí o produto: Uma redefinição dos conteúdos jurídicos das diversas disciplinas. “Reiventaram” o conceito de princípio, de lacuna, de hermenêutica, de moral, etc.
Na verdade, transformaram o discurso em algo facilitado para as massas. Para que estas tenham prosperidade. Algo como uma “pedagogia da prosperidade”, na linha da “teologia da prosperidade” das igrejas neopentecostais (não preciso, aqui, explicar o funcionamento das igrejas neopentecostais como a Universal, a Mundial, a Internacional — estas duas dissidentes da primeira...).
Não há mais fundamentosDia destes, vi na internet um esquete do grupo humorista “Porta dos Fundos”, que faz interessantíssima crítica (na verdade, genial!) à nossa “pós-modernidade”, onde nada tem fundamento, nada tem DNA, tudo (se) pode...
No esquete, há dois participantes: O publicitário “totalmente cool” e o bispo de uma igreja neopentecostal que necessita de uma campanha para rearranjar a sua igreja que está perdendo fiéis. Reproduzo, de forma aproximada, os diálogos:
Diz o Publicitário: “Eu dei uma olhada no livrinho... bacana. Como é o nome? Ah Bíblia. O título não é bom; como título, não vende. Pensei em trocar o nome, tipo 50 tons de Bíblia, Ah, quem mexeu na Bíblia... De qualquer forma, é um bom material. Tem passagens que me fizeram rir muito. Mas é muito longo...”
O Bispo intervém: “Mas é a história da humanidade.
Mas o publicitário continua: “Mas lá por Mateus tem uma barriga. Isso aqui eu cortaria tudo”, mostrando várias páginas do texto. “Jeremias... E quem é Salmos? Noé...Argh... Eu tiraria o personagem do rapaz!”
Perplexo, o bispo pergunta: “Que rapaz?
E responde o publicitário: “O principal, que diz que é o principal”. Ah, responde o bispo, “Jesus”.
Acrescenta o publicitário: “Não entendi a função dele. Ele não tem carisma...”, emendando: “Ele é filho de quem mesmo? É tudo rocambolesco, meio mexicano.”
O bispo interrompe novamente: “Na verdade, ele é o personagem principal, o fio condutor...”. E o publicitário ataca: “Ele precisa morrer? E a cruz... Vamos substituir por pneus.” “Mas a história tem dois mil anos”, diz o bispo. “Tá bem. Você quer manter o personagem, OK. Mas, por que Cristo... é esse o nome, não, por que ele tem que ser homem?” “Mas é que...”, gagueja o bispo...
O bispo é interrompido pelo publicitário, que berra: “Quem disse que era um homem? Por que não uma mulher disfarçada de homem, lutando contra o preconceito.
E o bispo: “Mas eu não gostaria de mexer nisso...”.
E o publicitário: “A Cleo Pires no papel de Cristo. Isso dá um filme, bispo Carmelo!”. E, chamando a assessoria, diz: “Manda a bíblia para o Duduxa. Mas não mande nesse papel... Manda em papel couchê... Onde se viu um livro com esse tipo de papel fininho?”. E o bispo vai embora, com a cara amarrada.
Bom, o resto aqui não importa. O que importa é a analogia. É assim que funciona “a coisa” hoje. Sem fundamento. Sem raízes. Sem saber. Sem sabedoria. Sem DNA. Tudo é grau zero. Tudo pode ser “feito” a partir de agora.
Imaginando “diálogos publicitários”Imagino o mundo desse publicitário do esquete e o comparo com o mundo da estandardização do Direito. O mundo da cultura simplificada. Dos clichês jurídicos. Do Malatesta. Da “verdade real”. Do “princípio da ponderação”. Das fórmulas para passar em concursos. Dos livrinhos feitos para “resolver” os problemas do Direito. Da expressiva maioria dos livros utilizados nas Faculdades de Direito. Fast food jurídico: eis a solução. Tudo “tipo pentecostal”, em que não há religação com nada. Apenas a “unção” direta. Em nome “de o Senhor”...
Imagino o professor — desses que escrevem sobre Direito Constitucional em palavras cruzadas (à venda nas rodoviárias e farmácias), Direito X e Y simplificados, descomplicados, etc. e estes que escrevem, do modo como explicitei acima, sobre as demandas da Resolução 75-CNJ — dialogando com seu editor:
Esse autor que o CNJ indicou... como é o nome dele mesmo... Karson, Kelson, ah, sim. Isso... Kelsen. Tem um livro muito complicado. O nome já começa mal. Teoria Pura do Direito. Deveríamos trocar o nome para ‘Pura Teoria do Direito’... Entendeu? ‘Pura teoria’. Afinal, não se diz que esse Kelsen era um positivista? Logo, tudo vira teoria. Pura teoria. Cool. Mas o livro é muito grande. Vamos resumir tudo em não mais do que 80 páginas. Por que mais de 500? E esse negócio de estática e dinâmica jurídica? Tira fora a parte da estática. Direito é vida. Anda prá frente. Tem uma parte que é hilária, que temos de ressaltar: é quando ele dá diferença entre um bando de ladrões e a sociedade... Compreendeu? Isso prá discutir a corrupção é massa. Agora, com o mensalão, Kelsen neles... Outra coisa engraçada é o capítulo 8º. Ri muito. Diz ali que o que os juízes fazem é política jurídica. Grande coisa. Esse Kelsen. Escreveu tudo isso para chegar a essa obviedade.
E o editor: “Tem certeza que vende?” O professor responde: “Xá comigo. Esse Kelsen é sinistro. Dá até para fazer um rap.
Imaginemos outra cena, com outros (neo)professores, em negociação para fazer um novo livro:
Lendo por aí, diz-se que para fazer um livro sobre concursos que tragam na pauta a humanização do Direito de que trata a Resolução 75-CNJ, deve-se colocar Dworkin e Alexy. Dworkin... cá entre nós, que nome engraçado este, não? Do-working; um sujeito trabalhador, indeed."
E o outro professor: "Trabalhosos são os livros dele… difíceis demais de ler. O cara cita mil exemplos e agora deu para falar de ouriços… o que será que esse bicho tem haver com o Direito?"
Ao que o primeiro professor responde: "Ouriço, chouriço, o que me importa? O importante é criar um jeito de conquistar o mercado com esses caras. Por isso vamos fazer um guia de leitura… algo que facilite as coisas, entende? Interessante seria juntar os dois, esse Dworkin e o tal do Alexy. Ambos falam em ponderação. Só que um diz dimensão de peso e o outro ponderação mesmo. Dimensão de peso, ponderação… tudo tem haver com balança, logo deve ser a mesma coisa".
O seu sábio interlocutor — o segundo (neo)professor —, então lhe diz: "Acho que um bom começo seria insistir no jargão — regra é no tudo ou nada e princípios é na ponderação — assim qualquer um entende".
O primeiro professor, entusiasmado, acrescenta: "Brilhante!!! Essa frase tem que constar da quarta-capa do livro. Será um verdadeiro chamariz para as vendas!"
Em outro canto da cidade. Local: Mesa da editora. Café fumegante. O editor comenta com um (neo)professor: "Tem um autor que faz sucesso na Teoria do Direito… esse que inventou o termo pós-positivismo, Müller… Sim, Müller... Friedrich. Você deveria escrever sobre ele.
Sobre quem? Müller?” — pergunta o (neo)professor.
Isso, Müller”, responde o editor. O professor, com certo ar de desprezo, responde ao empresário: "Müller… isso é nome de jogador de futebol… e de pastor evangélico." O editor, estupefato, redargui: “Não! É um teórico do Direito, escreveu sobre a diferença entre texto e norma.”
Resposta do (neo)docente: “Ah, esse negócio de diferença entre texto e norma é algo muito simples. O texto é a letra da lei e a norma é a interpretação que se dá a ela. No fundo, qualquer coisa que o intérprete disser sobre o direito, será uma norma… Qual é novidade nisso?
Mais uma cena, desta vez envolvendo as demandas do Exame da OAB, que começou a cobrar questões relativas à filosofia e teoria do Direito. Como seria a cena?
Vamos a ela. Um jovem professor aborda um “catedrático” de cursinhos. Parênteses necessário: Dia desses, vi um destes jovens professores divulgando sua obra pelo Face: Código Penal para Concursos… fantástico, já não é mais o Direito Penal… é o Código Penal que é para concursos! Dizia a notícia que o diploma legislativo estava atualizado segundo a doutrina, a jurisprudência e... às questões de concurso, é claro. Na verdade, o adjetivo usado foi "superatualizado". Interessante o que a língua pode fazer conosco, pois não? Será que o adjetivo "atualizado" comporta superlativo? O que seria um Código Penal superatualizado? Mais atualizado do que o atualizado…? Interessante... Talvez pudéssemos lançar um novo aparelho para conquistar o mercado jurídico: “o atualizatômetro”.
É possível prever os congestionamentos que a intensidade das compras provocariam na internet. Sim, claro, porque, para acompanhar a tecnologia, o atualizatômetro seria um aplicativo disponível tanto para o sistema IOS quanto para a plataforma Android. Bastaria ao utente aproximar o seu aparelho celular do livro desejado que o mecanismo acionaria um de seus critérios catalogadores. Três seriam os patamares de medida: Proto-atualizado; atualizado; e o superatualizado… apenas os livros superatualizados seriam sucesso de vendas.
Mas, contava eu que o jovem professor aborda um professor mais velho, um "catedrático" dos cursinhos, e, de forma desesperada, começa a expor desordenadamente: "Professor, professor… como faremos? A OAB, professor… A OAB incluiu essas disciplinas propedêuticas nos Exames de Ordem… Oh, céus!".
Com a tranquilidade de quem navega em águas calmas, o "catedrático" se volta para o moço e diz: "Meu rapaz, não há o que temer, temos o total domínio do fato… Ademais, todos esses anos de técnicas para memorização, quadros mentais, etc., foram muito úteis para nós. Temos um know howem simplificações."
Todavia, nem toda a sabedoria que emanava do experiente docente pôde trazer paz para o coração do novato. Ainda em nervos incontrolados, o jovem professor disse: "Meu senhor, com todo o respeito, dizem que vão cobrar, inclusive, conteúdos sobre a tal de hermenêutica jurídica." Com claras marcas de horror na face, o jovem, extremamente alarmado, continuou: "Imagine se nós tivermos que estudar aquele alemão chamado alguma coisa tipo Gadâmer ou Gadamér."
Com total despreocupação, o velho professor disse: "Mas esse Gadamér — o acento é na última sílaba, meu filho — é muito simples… Preste atenção no que vou te contar. Para esse filósofo, o grande problema da hermenêutica é a questão do método. Em especial, a questão do método nas ciências do espírito. O que ele pretende é propor um novo método para tais ciências. Diante disso, ele afirma que todo compreender pressupõe uma pré-compreensão do compreendido.”
O “catedrático” tomou mais um gole de café e, sobranceiro, continuou o “ensinamento”: “O que isso quer dizer? Quer dizer que, quando vamos interpretar um texto como a Constituição, por exemplo, e, mais especificamente, perguntar se a Constituição permite a realização do aborto para fins terapêuticos, as respostas que serão dadas a este problema coincidirão com a pré-compreensão que tem aquele que interpreta. Ou seja, variando o interprete, varia a interpretação, porque a interpretação é fruto da pré-compreensão. É algo subjetivo, entende? Cada um tem a sua pré-compreensão. No fundo, não era necessário esse alemão... como se chamava, mesmo? Ah, Gadamér...[1] escrever um livro tão grande para dizer uma coisa tão simplória.”
O “catedrático” valorizou a cena... Lentamente, tomou outro generoso gole de café, pegou a chave de seu Mercedes e “fechou” a discussão (com chave de ouro): “Bastava ele dizer: No terreno da interpretação, tudo é relativo porque cada um possui a sua pré-compreensão do objeto interpretado. Pronto! Viu só menino, não há o que temer… como eu te disse, temos o total domínio do fato. Não sei por que tem gente que complica essas coisas. Vamos. Vá lá e prepare a primeira aula sobre hermenêutica. E arrase.”
Depois de ouvir os “lampejos de sabedoria” do "catedrático", o jovem professor sentiu aquela sensação de paz que cabe a poucos. Percebeu que tudo era muito simples. A explanação "medalhão" do ancião “entrou pela sua alma como um jorro súbito de sol”. E lá se foi para preparar a sua arrasadora aula magna sobre o tema.
Se acham que estou exagerando, leiam de novo as citações que lancei acima, constantes em obra sobre a Resolução 75. Ou releiam as colunas nas quais tratei disso (vejam o hiperlink acima).
Numa palavra finalTércio Sampaio Ferraz Jr ensina a diferença entre dogmática e zetética. Não é difícil. Serve para que entendamos o mínimo dos mínimos sobre o papel da reflexão jurídica. Enfim, serve para mostrar que não se faz Direito sem reflexão teórica (podemos chamar a isso de alografia jurídica). O exemplo que Tércio nos ajuda: Sócrates estava sentado na frente de sua casa e passa um sujeito correndo atrás de outro. O filósofo pergunta: “O que está acontecendo?” ao que o perseguidor responde: “Ele é um ladrão e eu devo prendê-lo”. Essa é a dogmática. Já a zetética exigiria perguntas, como: “O que é um ladrão, “o que é furtar”, há elementos que comprovem o fato”?
Pois a dogmática tem sido vista e feita desse modo. E nas últimas décadas foi se estandardizando. E virou nisso que está aí. Pentecostalizaram (sem ofensa aos pentecostais) a dogmática e o Direito. A resposta vem pronta. Direta. Do senso comum. Do realismo (filosófico) e de sua vulgada. Isso é assim porque é. Por que ler Dworkin se é possível ler um pequeno resumo em uma sebenta? Por que fazer perguntas, se podemos ter as respostas antes que estas sejam feitas?
Como venho dizendo, não é necessário que se elabore obras herméticas sobre o Direito e que sirvam para concursos públicos. Entretanto, mesmo que o livro queira apenas tratar de “noções gerais”, ainda assim estas não devem ser simplificadoras do fenômeno jurídico (e social). Portanto, não parece adequado que se busque conceitos liquefeitos, resultantes de “grau zero” ou “descobertos” do âmbito da cultura “jurídico-popular”, isto é, do entremeio da terceira divisão do Direito.
No fundo, neopenteconstalismo jurídico quer dizer: “Pedagogia da prosperidade.” Sim, é isso que a cultura fast food tem vendido. A possibilidade de se “aprender” Direito sem “estudar o Direito”. Fácil. De forma direta. Sem intermediações.
Aleluia!

[1] Na cena, o acento utilizado pelo “catedrático” foi na última sílaba, “puxando” o “r”, como se Gadamer fosse francês...
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.
Revista Consultor Jurídico, 24 de janeiro de 2013

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