quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

ATIVISMO JUDICIAL FRENTE AO PROCESSO CIVIL DEMOCRÁTICO





Isabela Dias Neves
Doutoranda em Direito pela Universidade 
Federal de Minas Gerais e Professora na
Universidade Federal de Lavras.


Artigo publicado na Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil nº 47 - Mar/Abril de 2012


RESUMO: O ativismo judicial é um mecanismo imprescindível para o processo civil moderno, principalmente porque o atual Estado Democrático de Direito exige que a jurisdição seja exercida a partir de um verdadeiro processo justo, apto a dar efetividade principalmente aos direitos fundamentais garantidos na ordem constitucional.


PALAVRAS-CHAVE: Ativismo Judicial. Processo Civil. Estado Democrático de Direito.


SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Processo Civil Democrático; 2.1 Estado Democrático de Direito e Processo Justo; 2.2 O Processo Civil na Modernidade. 3 Ativismo Judicial; 3.1 Considerações Propedêuticas; 3.2 Imparcialidade e Neutralidade. 4 Função Jurisdicional: Alcance e Limites do Ativismo Judicial. Conclusão. Referências.

1 Introdução

O propósito deste artigo científico é avaliar, no Estado Democrático de Direito, o papel reservado ao ativismo judicial como instrumento útil na busca de um processo civil justo e efetivo. 



Com o presente estudo, pretende-se discutir tema de grande relevância na atualidade, cuja análise se fará a partir das seguintes premissas: Processo Civil Democrático, Ativismo Judicial e Função Jurisdicional.


A fim de se atingir o objetivo proposto, inicialmente, convém elucidar que será feito estudo acerca do Estado Democrático de Direito e do processo justo. É de aceitação geral nos tempos atuais que o processo civil deve ser examinado a partir do paradigma democrático, dentro do qual lhe cabe a função de instrumento de concretização de direitos e de garantias fundamentais. Não há como se estudar o processo civil sem que seja a partir de suas bases constitucionais e, diante disso, justifica-se a interdisciplinaridade trabalhada. Ademais, conforme afirma Humberto Theodoro Júnior, dúvida não há, de tal sorte, que nossa Constituição assenta o Estado Democrático de Direito brasileiro sobre o valor supremo e fundamental da justiça 1, valor esse que no processo judicial encontra seu grande momento de realização.

Na sequência, partir-se-á para o ativismo judicial, traçando seu conceito e seus elementos fundantes, uma vez que, adequadamente empregado, ele pode contribuir para o exercício da democracia e para a eficiente prestação jurisdicional. A atividade criativa e construtiva dos juízes é relevante para a obtenção de provimentos legitimamente democráticos, pois a sociedade não busca a aplicação puramente dedutiva dos textos das leis em seus casos concretos. Por mais criatividade que tenha o legislador, não há como prever todas as situações controvertidas que no futuro suportarão a incidência da lei, além do fato de que, muitas vezes, é imprescindível uma adequação das normas àrealidade. Contudo, oportunamente, será feita a relação entre o ativismo e o processo civil democrático, sobretudo com o escopo de se examinar como aquele pode influenciar na atuação dos juízes. Convém elucidar, ainda, que certos autores entendem que o ativismo compromete a imparcialidade do juiz; contudo, não há como confundir imparcialidade e neutralidade, na medida em que os juízes devem utilizar o ativismo judicial a partir dos limites impostos pelo texto constitucional, mais especificamente em razão do paradigma democrático. Assim, o exame acerca da neutralidade e da imparcialidade é de grande importância para o entendimento do tema proposto.


Por fim, serão traçados o alcance e os limites do exercício do poder jurisdicional a partir do ativismo judicial, chegando-se à conclusão.

2 Processo Civil Democrático

2.1 Estado Democrático de Direito e Processo Justo

A CF/88 acolheu o Estado Democrático de Direito, o qual se encontra delineado no conteúdo normativo do caput do art. 1º 2. Na atualidade, predomina o paradigma democrático, cuja implementação na ordem jurisdicional exige um processo capaz de viabilizar a participação dos cidadãos na tomada de decisões. Considerando a declaração constitucional de que todo poder emana do povo (parágrafo único do art. 1º da CRFB/1988), o poder jurisdicional também emana do povo, a partir do momento em que as partes, juntamente com o juiz, constroem o provimento final 3.

Como produto cultural da democracia, a vigente CR proclamou, dentro do rol dos direitos fundamentais, que nenhuma lesão ou ameaça a direito poderá ser excluída da apreciação do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CR/88). Tal garantia não significa apenas que o cidadão tem o direito de ser ouvido em juízo, ou de meramente ingressar em juízo para exercitar o direito de ação, pois vai muito além, na medida em que se refere ao acesso a uma tutela justa e efetiva a partir dos ditames do Estado Democrático de Direito 4.

Entender o processo justo, assegurado pela Constituição, como aquele que respeita as garantias processuais em si significa analisá-lo apenas em uma perspectiva formalista. Tal perspectiva desconsidera que a função do processo é produzir decisões que sejam conforme as expectativas jurídicas do cidadão e que as regras de processo não são um fim em si mesmas. Quando se pensa no "justo processo" no seu aspecto material, a reflexão que se impõe é, sobretudo, que ele não pode ser um instrumento sem eficácia e sem efetividade no plano substancial. O que se pretende é a justiça do processo vinculada à justiça da decisão e não sua mera regularidade ou legalidade 5.


Assim, o processo justo deve ser analisado a partir de suas perspectivas formal e material, uma vez que estas se complementam. A cada dia que passa, a ordem jurídica tem buscado um processo que seja efetivamente democrático, pois a participação das partes na construção do provimento final é de grande relevância para se assegurar, adequadamente, direitos e garantias fundamentais.


Com efeito, os provimentos, apesar de serem manifestações do poder político do Estado, jamais poderão ser alcançados de maneira arbitrária ou isolada, na medida em que tal poder deve ser constitucionalmente organizado, delimitado, exercido e controlado, tendo em vista o paradigma democrático.

Para que exista uma decisão justa, o juiz deverá proceder a uma válida individualização e interpretação da norma aplicada ao caso concreto, mas também, e, sobretudo, proceder a uma reconstrução verdadeira e racionalmente controlável do caso concreto, ou melhor, das afirmações factuais que o acompanham. A justiça da decisão, caracterizada pelo seu grau de aproximação à realidade dos fatos, coloca em evidência a função do processo como lugar de acertamento da verdade. Por isso é necessário que a decisão esteja fundada não apenas na boa interpretação das regras legais, mas também na reconstrução que mais se aproxime da verdade dos fatos 6.

A reorganização do Estado Democrático moderno não se contentou com o princípio constitucional da legalidade, no seu sentido procedimental e de subsunção do fato litigioso à regra da lei material. Exigiu-se que, em nome de outros princípios constitucionais, a própria regra de direito material fosse submetida a um juízo crítico, para conformá-la ao sentido mais harmônico possível com os valores consagrados pela Constituição. Assim, em vez de assegurar um resultado legal (compatível com a norma aplicada ao caso), o processo foi incumbido de proporcionar um resultado justo (mais do que apenas legal). E a garantia constitucional de tutela jurisdicional passou a ser não mais do devido processo legal, mas a do processo justo 7.

A partir do Estado Democrático de Direito, vê-se que atuação hermenêutica dos juízes é relevante para a obtenção de provimentos legitimamente democráticos, pois a sociedade não busca a aplicação puramente dedutiva dos textos das leis em seus casos concretos. Por mais criativo que seja o legislador, repete-se, não há como prever todas as situações controvertidas, além do fato de que, muitas vezes, é imprescindível uma adequação das normas à realidade. Dessa forma, o processo democrático é aquele que é, efetivamente, equilibrado e dialógico: um processo em que as partes não só possam controlar-se, reciprocamente, assim como todos os sujeitos processuais disponham de poderes e formas de controle previamente estabelecidos. Não adianta atribuir poder, se não houver mecanismos de controle desse poder 8.

Além disso, o Estado Democrático de Direito ressalta, tanto no plano constitucional quanto no infraconstitucional, valores éticos, políticos, sociais, que devem ser buscados, localizados e dimensionados fora dos dispositivos legislados, em cujo terreno atuam valores e costumes reconhecidos pela comunidade e sem que hajam sido parametrados com precisão pela lei. Diz-se, por isso, que uma coisa é o enunciado da lei, outra muito diversa é a regra do caso concreto formulada pelo juiz quando edita o provimento com que dará solução à demanda 9.

Assim, o atual Estado Democrático de Direito exige que a jurisdição seja exercida a partir de um processo justo, apto a dar efetividade principalmente aos direitos fundamentais garantidos na ordem constitucional. Dessa maneira, o processo só será justo quando viabilizar resultados também justos, uma vez que não há justiça quando tais resultados são alcançados com indiferença à verdade real dos fatos envolvidos no litígio.

2.2 O Processo Civil na Modernidade

Conforme afirma Cassio Scarpinella Bueno, ao longo dos séculos, o direito processual civil passou por diversas fases voltadas precipuamente para sua afirmação científica e para a fixação de seu objeto e método 10.

Nos tempos modernos, sobretudo em face da democracia vigorante, é importante a participação discursiva dos cidadãos no processo de tomada de decisões, e o processo civil deve ser analisado a partir da perspectiva autônoma, mas sem excessos. Com efeito, o processo civil deve ser garantidor da aplicação e justificação de um direito democrático, assegurando às partes a plena participação, em simétrica paridade, objetivando provimento legitimamente democrático. Em outras palavras, o processo civil necessita ser entendido como um instrumento de concretização de direitos e garantias fundamentais a partir dos ideais da justiça e da efetividade.

Nessa linha de raciocínio, deve ser concedida aos cidadãos a possibilidade de participação discursiva em todas as fases processuais, assim como deve haver, na gestão pública em geral, a prevalência da vontade popular e fidelidade aos fins propostos pela comunidade.

Com esse objetivo, o processo a ser estudado na atualidade é aquele fundado na constitucionalidade vigorante, eis que todo processo é, em si e antes de qualquer coisa, um direito fundamental, pois viabiliza o acesso à tutela jurisdicional.


Tendo em vista que a finalidade do processo é a preparação do provimento jurisdicional, a primeira proteção que o ordenamento jurídico necessita oferecer aos jurisdicionados é de que seus destinatários possam participar dos atos que o preparam, concorrendo para sua formação, em igualdade de oportunidade 11.

Dessa forma, o processo deve engajar a participação útil de todos os seus sujeitos, a fim de garantir a aplicação e a justificação de uma solução democrática, sintonizada com o escopo de assegurar uma tutela efetiva aos fins perseguidos pelos cidadãos 12.

A efetiva colaboração das partes em busca da verdade objetiva necessita ser um princípio a regular o novo processo civil, o qual tem por objetivo a "justiça da decisão". Os princípios do contraditório e da ampla defesa não visam à simulação, ao dolo, à fraude, mas, sim, à busca de uma decisão justa de acordo com a verdade material dos fatos 13.


Ante todo o exposto a respeito do tema desenvolvido, pode-se afirmar que o processo civil, a partir do Estado Democrático de Direito, deve assegurar o exercício pleno da cidadania, objetivando atingir uma decisão legitimamente democrática. Para tanto, é imprescindível que haja um processo justo e efetivo.

3 Ativismo Judicial


3.1 Considerações Propedêuticas

O ativismo judicial, que remonta ao direito americano, tem cada vez mais adeptos no Brasil e no mundo, e representa uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Os juízes, por meio de seus pronunciamentos nos casos concretos, devem interpretar a Constituição de acordo com as necessidades da sociedade no mundo contemporâneo 14.


A doutrina tem conceituado ativismo judicial como uma postura a ser adotada pelo magistrado que o leve ao reconhecimento da sua atividade como elemento fundamental para o eficaz e efetivo exercício da atividade jurisdicional 15.

O ativismo judicial exige que os juízes sejam mais atuantes e que utilizem de técnicas hermenêuticas aptas a resolver as questões que forem objeto de controvérsias, haja vista que não são apenas meros aplicadores das letras frias da lei.

O  ativismo conduz o juiz a impor um processo de racionalização do direito quando estão em jogo valores componentes da dignidade humana e da cidadania. Quando empregado com ponderação e afastado de qualquer influência ideológica, adapta-se aos parâmetros estabelecidos para o constitucionalismo da era atual, que se caracteriza por defender a aplicação imediata dos postulados e princípios que informam a Constituição, concretizando sua vontade. O ativismo judicial, consequentemente, contribui para impor a força normativa da Constituição, especialmente, no concernente à proteção da dignidade humana e da cidadania, considerados valores fundamentais 16.

Muito embora procedimentalistas (autores contrários ao ativismo) e substancialistas (os favoráveis) reconheçam no Judiciário uma função relevante, contrapõem-se sobre a atuação dos juízes quanto à hermenêutica constitucional 17.

A propósito do tema discutido, Gisele Cittadino afirma que a origem da intensificação do ativismo judicial está na mobilização política da sociedade, concluindo que tal intensificação é compatível com um regime político democrático 18.

Não se limita, porém, o ativismo judicial à aplicação de regras diretamente enunciadas pela Constituição. Do processo justo, almejado pela ordem constitucional, decorre a necessidade prática de providências internas tomadas no comando do processo (ativismo técnico), como as destinadas a superar falhas técnicas dos litigantes e se aproximar, o máximo possível, da verdade real.

Com o ativismo técnico, o juiz pode implantar a verdadeira igualdade jurídica dos litigantes dentro do processo, por meio da promoção da paridade de armas no combate judiciário, quando por deficiência técnica a defesa de uma parte, ou de ambas, possa conduzir a resolução do litígio para terreno incompatível com a verdade real e com os desígnios do processo justo. Dir-se-á que esse ativismo pode comprometer a imparcialidade do juiz. A objeção é, porém, falsa porque parcial não é só o que toma partido na defesa de uma das partes, privilegiando-a, de forma ativa, em detrimento dos interesses da outra parte. Também é parcial, de forma passiva, o juiz que assiste com indiferença ao sacrifício do interesse legítimo de um dos litigantes, por ignorância do seu defensor ou falta de recursos para a busca de meios técnicos mais adequados e eficientes. Em outros termos, pode-se cometer imparcialidade, tanto ativa como passivamente. Não há, todavia, parcialidade alguma quando o juiz exerce, por exemplo, a iniciativa da prova, ordenando a busca e incorporação de algum meio de convencimento que melhor conduza à aproximação da vontade real. Parcial seria se, ao invés de pesquisar, por sua iniciativa, o esclarecimento do fato decisivo para a justa solução do litígio, o juiz permanecesse inerte, conduzindo o processo para o julgamento final de mérito, com a consciência de que a verdade real não foi perseguida como devia e podia ser 19.

No que tange ao ativismo judicial, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira conclui aduzindo que: "o ativismo judicial mostra-se hoje fundamental, mas é preciso temperá-lo com atribuição de poderes também às partes, na perspectiva de mais estreita colaboração e diálogo entre os sujeitos processuais. Nem o juiz ditador, nem o juiz escravo das partes, e sim o exercício da cidadania dentro do processo: colaboração das partes com o juiz, este igualmente ativo na investigação da verdade e da justiça. Em suma, o juiz, hoje, deve ser cooperativo" 20.

É incontroverso na doutrina e na jurisprudência que o processo tenha por objetivo a busca da verdade. Contudo, há dissintonia em saber se a verdade buscada é a verdade formal ou a verdade real. Tradicionalmente, faz-se a distinção quanto ao processo penal e ao civil, no sentido de que aquele busca, precipuamente, a verdade real, enquanto este busca a verdade formal 21.

Contudo, convém registrar que tal entendimento está cada dia mais ultrapassado, na medida em que o processo hoje, seja ele de que natureza for, busque a verdade real a fim de ser justo e efetivo.

3.2 Imparcialidade e Neutralidade

Baseando-se em Mauro Cappelletti, Fredie Didier Junior afirma que não se pode confundir neutralidade com imparcialidade. O mito da neutralidade se fundamenta na possibilidade de o juiz ser desprovido de vontade inconsciente; predominar no processo o interesse das partes e não o interesse geral de administração da justiça; que o juiz nada tem a ver com o resultado da instrução. Na verdade, ninguém é neutro, porque todos os seres humanos são dotados de medos, traumas, preferências e experiências. Por outro lado, o que não se aceita é aquele juiz que tem interesse no litígio e não trata as partes com igualdade, para garantir o contraditório em paridade de armas 22.

A imparcialidade é inseparável do órgão da jurisdição, uma vez que o juiz precisa se colocar equidistante das partes. Para assegurar a imparcialidade do juiz, a CF/88 estipula garantias (art. 95) e prescreve vedações aos magistrados (art. 95, parágrafo único). Alega-se que, se o juiz desce de seu pedestal para tomar ele próprio a iniciativa de pesquisar a verdade, pode tornar-se parcial, perdendo a indispensável neutralidade, porque vai beneficiar uma das partes. Entretanto, quando o juiz toma a iniciativa de determinar a realização de alguma prova, como, por exemplo, ordenação da perícia, não dispõe de bola de cristal para adivinhar qual será o resultado daquela diligência e, portanto, a qual das partes a sua iniciativa, em verdade, beneficiará. Pode, em certas situações, formular conjecturas, mas jamais ter absoluta certeza23.

Dizer que o juiz deve ser imparcial quer dizer que seu dever é conduzir o processo sem inclinar a balança para qualquer das partes, concedendo a uma delas, por exemplo, oportunidades mais amplas de expor e sustentar suas razões e de apresentar as provas de que disponha 24.

Na órbita judiciária já houve quem quisesse um juiz inerte no seu pedestal, espectador frio e distante do duelo entre as partes e privado de tomar suas próprias iniciativas no sentido da averiguação da verdade. Essa mentalidade, no entanto, vem sendo superada e modificada acentuadamente nos últimos tempos. Percebe-se que, se é função do juiz julgar, e julgar bem, e julgar com justiça, é sua função, por definição, aplicar normas jurídicas a fatos. E, para bem aplicar normas jurídicas a fatos, parece obviamente imprescindível conhecê-los bem25.

O  verdadeiro modo de eliminar de vez a parcialidade é impor ao juiz o dever de realizar a atividade de instrução sob a égide do contraditório, e proibi-lo de levar em conta na sua decisão qualquer elemento probatório colhido sem que as partes tivessem a oportunidade de participar, tanto quanto possível, da colheita, ou pelo menos de manifestar-se sobre os resultados obtidos. E também, e principalmente, o dever de motivação em toda e qualquer decisão tomada por ele 26.

Nos dizeres de Aroldo Plínio Gonçalves, o princípio do contraditório representa a garantia de participação, em simétrica paridade, das partes, daqueles sujeitos do processo que suportarão os efeitos da decisão e da medida jurisdicional que vier a ser imposta 27. Mas a grande conquista do processo justo dos tempos atuais foi a de não limitar o contraditório ao âmbito das partes. O juiz deixou de apenas presenciar o contraditório entre as partes. Viu-se inserido, ele mesmo, no debate dialético do processo. Com isso, não se admite decisão alguma sobre questão que não tenha sido submetida à prévia consideração das partes, ainda mesmo aquelas que possam ser suscitadas de ofício 28.

O processo, ao viabilizar a participação das partes em seu ínterim, vai permear a reconstrução dos fatos e a escolha da mais adequada interpretação da norma material a ser aplicada ao caso concreto 29.


Compete, em suma, ao juiz manter o equilíbrio necessário ao bom funcionamento do mecanismo processual, agindo de forma imparcial e com o intuito de tornar possível a reprodução nos autos da realidade fática ocorrida no plano material 30. Não pode, pois, permanecer indiferente à má ou insuficiente pesquisa da verdade dos fatos sobre os quais irá recair a decisão judicial.

4 Função Jurisdicional: Alcance e Limites do Ativismo Judicial


Inicialmente convém elucidar que, embora a CF/88 se refira a poderes, na verdade se trata de funções, haja vista que o poder é uno e indivisível, sendo o seu exercício distribuído entre as funções legislativa, executiva e judiciária. A Teoria da Separação dos Poderes, desenvolvida por Montesquieu, foi vislumbrada tendo em vista também um sistema de freios e contrapesos, ou seja: cada Poder tem suas competências delineadas, mas todos exercerão controle e fiscalizarão um ao outro, com o fim de impedir abusos.

A questão do ativismo judicial tem que ser considerada dentro do contexto da doutrina da separação dos poderes. A ideia da separação dos poderes do governo na Constituição teve dois objetivos: para prevenir a tirania, evitando-se uma prejudicial concentração de poder e para promover a eficiência no exercício das funções necessárias para qualquer governo 31.

O juiz não dará à lei a dicção que entender, consoante sua ideologia, preferência política, simpatia ou idiossincrasia. Cabe-lhe procurar fazer com que a lei tenha aplicação consentânea com o sistema jurídico em que esteja inserida e com as necessidades concretas de quem invocou o Judiciário para dirimir uma contenda. Para resolver o caso posto à sua decisão é que o juiz partilhará, complementarmente, da mesma natureza da função parlamentar. Sem embargo das habituais resistências, induvidoso é, em certa medida, o caráter criativo das decisões judiciais. Essa a sua função derivada, dado que a original é destinada a solucionar a controvérsia, da mesma forma que a função original do parlamento é produzir normas gerais de conduta 32.


Nessa linha de raciocínio, o órgão jurisdicional serve ao direito, quando o juiz tem, é verdade, o dever de se ater ao ordenamento jurídico ao proferir sua decisão, eis que atua exercendo uma das funções do Estado. Desempenha uma parcela da soberania estatal, mas não pode fazê-lo sem a necessária e adequada participação dos litigantes. Assim, não pode penetrar na esfera dos direitos das partes que sofrerão os efeitos da tutela, para protegê-los, sem ser solicitado, bem como não pode decidir além do que foi pedido pelas partes, ou seja, deve limitar-se ao colacionado por elas no ínterim processual, a fim de que seja proferida decisão legitimamente democrática ao final. Contudo, por mais criativo o legislador, é impossível que ele preveja todas as situações que podem ser objeto de controvérsia, além do fato de que a legislação pode, igualmente, não atender mais às demandas sociais e é exatamente aí que a função dos juízes é importante 33. Reconhece-se que as regras que surgiram em uma geração remota podem atender perfeitamente às demandas de uma sociedade em determinado contexto, mas, quando necessário, devem ser descartadas e readequadas às demandas atuais da sociedade. Não cabe ao juiz apenas aplicar o direito de maneira dedutiva como se fosse uma operação matemática, porque exerce um papel fundamental na adequação do direito à realidade social, sem engessá-lo. O trabalho do juiz, dessa maneira, compreende a otimização do direito posto.

Contudo, a interferência do juiz em seara que não lhe é própria tem de ser analisada com cautela, pois existem duas questões a serem observadas: ela pode ser bem aceita, em função da necessidade de resguardar os direitos fundamentais dos cidadãos, e pode ser, igualmente, temerária, na eventualidade de o Judiciário extrapolar seus poderes, ao exercer o ativismo judicial, atuando como verdadeiro legislador ou administrador público. O juiz ativista é necessário para a plenitude de seu ofício, desde que respeitados os princípios da autonomia e harmonia entre os poderes (art. 2º da CRFB/1988). O ativismo judicial afasta o juiz do posicionamento de ser escravo do texto literal da lei. Como autoridade integrante de um dos Poderes do Estado, não lhe é dado, porém, ficar distanciado dos problemas que afligem os seus jurisdicionados e que lhe foram entregues para solução, em forma de conflito, identificando-se, portanto, com os fatores determinantes de desequilíbrios familiares, sociais, políticos, econômicos e jurídicos que nem chegaram a ser captados pelo legislador ao tempo da edição da lei 34.

Considerando que o direito a ser aplicado e tutelado não se resume à lei, que hoje o processo é instrumento de concretização de direitos e garantias fundamentais, o juiz tem por obrigação conduzi-lo, em cooperação com as partes, de modo a criar um espaço discursivo-democrático de tomada de decisões. Em virtude disso, é possível afirmar que a função jurisdicional será exercida a partir dos limites impostos pelo ativismo judicial dentro da perspectiva democrática.


Conclusão

Ante o exposto, é possível concluir que:


a) O atual Estado Democrático de Direito exige que a prestação jurisdicional se dê através de um processo não apenas legal, mas de um verdadeiro processo justo, apto a dar efetividade principalmente aos direitos fundamentais garantidos na ordem constitucional;


b) O processo, por sua vez, só será justo quando conduzir a resultados também justos;

c) Não há justiça quando tais resultados são alcançados com indiferença à verdade real dos fatos envolvidos no litígio;

d) O contraditório reclamado pelo processo justo tem que se comprometer não só com a busca da verdade, mas também com a efetiva paridade de tratamento das partes;


e) O compromisso com a verdade e a igualdade impõe o reforço dos poderes do juiz, retirando-o de uma posição de mero espectador para torná-lo sujeito ativo na elaboração do provimento jurisdicional;


f) O ativismo judicial, porém, há de ser praticado com moderação, de forma a superar a neutralidade indesejável, mas a respeitar o direito vigente;

g) Ao juiz é dado completar a obra normativa do legislador, sem, contudo, ignorá-la ou revogá-la. Seu papel, iluminado pelos princípios constitucionais, é o de otimizar a lei, sem deixar de aplicá-la. Afinal, o Estado Democrático de Direito, dentro do qual tem de atuar o juiz, é, antes de tudo, um Estado de Direito;

h) Compete ao Judiciário, em suma, manter o equilíbrio necessário ao bom funcionamento do mecanismo processual, agindo de forma imparcial, tornando efetiva a vontade da lei concretizada para o caso dos autos.

TITLE: Judicial activism over the democratic civil procedure.


ABSTRACT: The judicial activism is an essential mechanism for the modern civil procedure, mainly because the current Rule of Law State requires that the jurisdiction is exercised from a truly fair trial, particularly apt to give effect to fundamental rights guaranteed in the constitutional order.


 KEYWORDS: Judicial Activism. Civil Procedure. Rule of Law State.



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